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20 de novembro de 2014

Vida na Alemanha - Racismo na Alemanha

Para começar, aqui vão dois vídeos de um negro alemão onde ele relata perguntas idiotas que ele tem que ouvir:




Hoje é dia 20 de novembro. Dia da Consciência Negra. Um dia que tenta dar ao negro a consciência de sua negritude, a consciência do que a cor de pele representa atual e historicamente. Eu não sou negro. Não me identifico como negro, apesar de saber que, como brasileiro, deve haver muito sangue e muitos genes de origem africana em mim. Eu nasci com aquela cor de pele típica do brasileiro mestiço: nem tão branca, nem tão negra. Olhos e cabelos castanhos. O famoso "pardo" das estatísticas do IBGE. Eu tenho consciência de que não sou branco. E consciência de que não sou negro.

Por estar na parte do meio dos inúmeros tons de pele existentes, eu nunca passei pelas mesmas situações de racismo no Brasil que meus irmãos negros. Nem ganhei os privilégios de ter nascido branco numa família de classe média. Como nunca havia sofrido racismo, eu era mais um a não demonstrar nenhuma empatia pelo sofrimento do negro. Afinal, ninguém nunca havia me julgado pela minha cor de pele. Nunca.

Aí eu vim para a Alemanha. Sim, aquele país marcado eternamente por ter começado uma Guerra Mundial com uma política racista. O mais curioso é que a Alemanha foi destruída por um país que também tinha uma política racial segregacionista. Mas parece que ninguém vai pros EUA se perguntando sobre racismo. Mas todo mundo parece ter medo de encontrar alemães defendendo os ideais do seu ditador do passado.

A primeira vez que eu ganhei consciência de que a minha aparência chamava a atenção foi ao morar aqui. Foi na Alemanha a primeira vez que ouvi na vida: Você tem olhos bonitos! Essa frase, já ouvida várias vezes da boca de alemães, me deu consciência de que olhos castanhos podem ser bonitos. Numa terra em que boa parte da população tem olhos claros, ter olhos escuros é o diferencial. Eu tive a certeza de que jamais ouviria isso no Brasil, um país acostumado a idolatrar artistas brancos de olhos claros. Isso me deu consciência.

Numa outra ocasião ouvi de uma colega, alemã, branca "Nossa como eu queria ter a sua cor de pele". Respondi, atônito, "Sério? Por quê?". "Porque queria poder tomar sol, me bronzear, quando vou à praia fico vermelha, vocês se bronzeiam. É mais bonito". Essas e outras experiências me deram consciência de que em terras germânicas eu não passo despercebido como no Brasil. Aqui eu sou considerado "dunkelhäutig" (pele escura). E a minha pele chama a atenção.

Um dia aprendi que havia palavras tabu na Alemanha. Palavras que causam desconforto à maioria dos alemães. Todas elas são palavras que foram usadas e abusadas pela ditadura nazista. Uma delas é a palavra Rasse (raça). Hoje em dia a palavra Rasse só é usada quando se fala sobre o pedigree de animais, mas não mais sobre humanos. É claro que se pode dizer que uma pessoa é branca ou negra. O problema é chamar isso de "raça". Alemães não gostam desse termo. Também descobri que a palavra Neger, antigo termo para "negro" é considerado racista hoje em dia, preferindo-se o termo schwarz, ou até outros termos como Schwarzafrikaner, Schwarzafrikanerin, Afroamerikaner, Afroamerikanerin, Afrodeutscher, Afrodeutsche. O doce conhecido como Negerkuss (beijo do negro) passou a ser chamado de Schokokuss (beijo de chocolate). Imagine o que diriam os alemães se soubessem que no Brasil há um bolo de chocolate chamado "nega maluca".

Chances iguais?
Depois de fazer mestrado na Alemanha, acabei achando emprego numa universidade, ou seja, as pessoas com quem convivo diariamente são pessoas com um alto nível de educação. Meus alunos alemães se chocam um pouco quando sabem que o IBGE, um instituto nacional de estatística, ainda faz contagem de "raça" no Brasil. Ficam mais chocados quando aprendem os termos usados pelo IBGE "branco, pardo, negro, AMARELO(???), indígena". Mas não se enganem. Mais chocados ficam quando veem as estatísticas das diferenças de salário entre negros e brancos no Brasil. Mais chocados ficam quando vão ao Brasil e aprendem dos próprios brasileiros a se "protegerem" dos "negros" na rua, já que serão "ladrões" em potencial. Mais chocados ficam quando fazem um semestre de intercâmbio nas universidades públicas brasileiras e se perguntam: "Cadê os negros nesta universidade?". Sim, todos estes debates e comentários se repetem nas minhas aulas sobre o Brasil na universidade. Alguns vão pensar: Ah, vai dizer que na Alemanha não existe racismo? Mas minhas aulas não são sobre a Alemanha, e sim, sobre o Brasil. O importante, para mim, é levar os alunos a refletirem sobre as experiências que terão, que têm ou que tiveram no Brasil para que entendam melhor os processos históricos que levaram às diferenças raciais no Brasil.

Essa consciência eu não ganhei no Brasil. Eu ganhei aqui na Alemanha. Ganhei aqui pois aqui sou tratado diferente. Por ser tratado diferente, pude ganhar empatia pelas pessoas no Brasil que também são tratadas diferentemente. Já fui tratado de forma racista na Alemanha? Claro. Uma das formas mais comuns de racismo aqui é o racial profiling da polícia. Qualquer ladrão aqui é descrito como südländisch. E com südländisch eles já estão dizendo: deve ter vindo de algum país do Sul. E do Sul pode ser desde a Itália, da Grécia, da Turquia quanto de qualquer outro país onde faça mais sol do que aqui, que deixe a pele num tom mais escuro do que aqui. Sim, já fui parado pela polícia a caminho do trabalho apenas por ser südländisch. Sim, já fui a única pessoa do vagão inteiro de um trem a ter que mostrar documentos e abrir mala para a polícia enquanto as pessoas do vagão olhavam para mim (sem fazer nada). Dá raiva? Dá. Estraga o seu dia e o seu humor? Estraga. Mas passa. Sabe por quê? Porque eu talvez passe por isso 1-2 vezes por ano. Enquanto nos outros 363-364 dias do ano eu sou tratado como gente, sou tratado como o rapaz dos olhos bonitos, o brasileiro que com certeza anda sempre alegre, fazendo festa, sambando ou sei lá o quê. Mas esses dois dias por ano em que algo assim acontece me deram a vaga consciência do que um negro passa no Brasil ao ser revistado ao sair de um loja sem ter roubado nada. Ao ter o seu caráter julgado pela sua cor de pele. É por isso que, quando sei de algum brasileiro revoltadíssimo por ter sido barrado na porta de uma discoteca alemã, penso nos inúmeros casos de negros brasileiros que são barrados, revistados, expulsos de locais brasileiros (shopping centers, lojas, boates etc.) sem que ninguém se revolte. E eu espero que esse brasileiro barrado na entrada da discoteca ganhe essa consciência. Espero. Por isso, precisamos "brigar por justiça e por respeito", como diz Seu Jorge. Estamos juntos!

"A carne mais barata do mercado é a carne negra" - (Seu Jorge)

Leia os outros textos sobre Consciência Negra:
1) http://www.aprenderalemao.com/2014/11/negro-brasileiro-na-alemanha-haut-por.html
2) http://www.aprenderalemao.com/2014/11/negra-brasileira-na-alemanha-irmaos-de.html

2 comentários:

  1. Nossa Fábio! Muito emocionada em ler essa sua experiência e conscientização sobre o dia de hoje, e também sobre todas essas questões de intolerância e indiferença em relação a aceitação do outro. Questões que afetam o Brasil e Alemanha também. Uma simples atitude como a sua, tem grande significação e faz toda a diferença. Porque é um gesto de Empatia................................. <3 e Das ist schön! Isto é lindo! :)

    Vielen Dank! Beijo grande!

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  2. Vocês são ingênuos mesmo. Os alemães adotam tratamento gentil para eliminarem a impressão que continuam segregacionistas. Mas, eles continuam. Eu me lembro aqui no Brasil, no colégio, quando eu subia as escadas, de dois em dois lances, e o Frei Germânico disse que as escadas existiam para que sejam usadas. Depois ele disse: Brasilien ist desorganisiert. Verdammt Rennen. Fiquei sabendo que o irmão dele morreu na Segunda Grande Guerra Mundial, na Frente Russa, na cidade de Mariupol (ocupada pelos teutônicos entre 1941-1943). Abraços a todos.

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